sábado, 13 de dezembro de 2008

Capítulo 2 [2]

Os 20 euros não deram para muito tempo. O bolso daquele casaco velho que vestia todos os dias e todas as noites para não morrer de frio ia ficando cada vez mais vazio. Até que, duas semanas mais tarde, mais nenhuma moeda parecia existir nos buracos de pano que os dedos tão desesperadamente apalpavam.

Estava de novo entregue a si própria. Durante dois dias não entrou nem uma migalha de pão na sua boca. Mas Laura sabia que não podia abusar mais, e não conseguiria levantar-se na manhã seguinte se não comesse alguma coisa. Estava a ficar sem forças.

As pernas tremiam-lhe, as imagens que lhe chegavam vinham desfocadas e oscilantes. Pela segunda vez num mês só, Laura tinha chegado ao extremo. O ar de Novembro entrava-lhe pelos poros, e dava-lhe uma sensação de mau estar. O Inverno adivinhava-se próximo, e ela sabia que as suas defesas não estavam em bom estado.

Meteu-se por uma rua já na periferia da cidade. Aquela rua não tinha saída, e ela sabia-o. Andou uns 20 metros, e teve a certeza de que ia morrer. A noite devorava-a.

À sua esquerda, dois enormes contentores verdes. Sentiu uma náusea. Aproximou-se. Não, não era desta que se deixava vencer. A vida era uma merda, mas a morte era capaz de ser pior.

As tonturas eram cada vez piores, o cheiro era terrível. Sabia que não a iria deixar tão cedo, que ia ocupar cada centímetro dos trapos velhos que tinha no corpo durante dias.

Tentou abstrair-se. Rasgou sacos, pegou em tudo o que conseguiu apanhar. Já não tinha gosto, já não era a Laura “esquisitinha” que não gostava de nada. Aquela comida que o Mundo já não queria, a ela parecia-lhe estranhamente saborosa. Encontrou ossos mal roídos, sacos de batatas ainda cheios de migalhas, encontrou até uma caixa de “take away” quase intacta.

Encheu a barriga como se de um banquete se tratasse. Estava desesperada. Não chegou nem a ver os olhares de nojo que lhe lançava um casal que estava a entrar em casa. Não devem ter gostado de ver alguém a aproveitar-se do seu jantar, aquele que ele tinha ido buscar ao restaurante e que tinha deitado fora por lá encontrar um cabelo que não era seu.

No fim da refeição, Laura voltou ao mesmo banco de jardim onde dormia havia meses. Nessa noite, e pela primeira vez depois de sair daquela casa que já não era sua, chorou. As lágrimas de raiva caíam-lhe desesperadas pelas faces rosadas. A certa altura, já não dava por elas. Nunca ninguém chorou tanto e tanto tempo como aquela mulher naquela noite. Cada lágrima era um grito que ecoava naquele Mundo ao qual já não pertencia. Chorava de desespero, de raiva. Chorava de solidão, chorava de saudade.

Chorava por não ter agarrado a vida a tempo. E chorava porque estava irremediavelmente só. Era desenraizada, porque naquela choldra não havia nada a que se agarrar. Já não via pessoas, apenas monstros. Tinha perdido toda a esperança na humanidade. O Mundo era uma merda. Ela sabia-o, porque o tinha visto. Sentada naquele banco do jardim.

2 comentários:

Anawîm disse...

Oi Inês...

Olha... estou a gostar MUITO do que escreveste...

Agradeço-te MUITO esta tua partilha.
E... se não te importares, até vou adicionar este teu link lá no meu cantinho, tá?...

Escreves mesmo muito bem... e é muito bonito o teu jeito de pensar.

Um abração para ti.

Inês disse...

Tá, Anawîm!
Tá sim sr!

Obrigada eu, é sempre bom ter gente boa neste cantinho!

Fica à vontade, faz de conta que estás em casa :) :)

Um beijinho!