domingo, 28 de dezembro de 2008

Capítulo 6 [3]

Ficámos horas a conversar. Pela primeira vez, aquela mulher passou mais do que cinco minutos a conversar com alguém.
Acho que, naquela conversa, experimentou todas as sensações que podem existir. Contei-lhe tudo, Mariana, tudo. A vida que levava antes (acho que lhe fez lembrar alguma coisa!), a tua morte e a do papá, como fiquei depois de vos perder, a sensação de vazio que me percorreu, como fui posta fora de casa sem que isso me incomodasse minimamente, os primeiros dias na rua, os mais desesperados, as humilhações, a relação de proximidade com a morte, o aparecimento do Diogo, a esperança, o devolver da vida, o dia em que me trouxe para casa e me deu o aspecto de mulher normal, as parecenças que encontrei entre ela e a antiga Laura, tudo!
Ela não falou o tempo todo. Ouviu com toda a atenção do mundo e, depois, quando eu já estava preparada para a demissão (que, no fundo, já tinha tomado como certa), ela levantou-se da cadeira onde estava, precipitou-se sobre mim e, como quem já perdeu o jeito para afectos, deu-me um beijo na face.
Estava lavada em lágrimas.
Levantei-me, abracei-a com força e, quando os nossos olhos se encontraram, vi-lhe o agradecimento no olhar.
Já me tinha habituado a ver muita coisa nos olhares das pessoas. No daquela mulher via uma mistura de sensações indescritível. Sabia que a minha história lhe tinha tocado, mas não como uma história forte de uma mulher com uma vida atribulada. A minha história, tinha-a sentido como a sua própria história. Melhor, como um aviso vivo de que a vida não espera que tenhamos agenda livre para sermos felizes.
Como ela se virasse de novo para a porta, chamei:
- D. Luísa, pode fazer-me um favor?
- Tudo o que quiser.
- Faça-me o favor de ser feliz.
Sorriu. E antes de sair, voltou-se:
- Laura, esqueça a “Dona”, Luísa está muito bem.
E foi ser feliz.

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